Ainda és
um peito cheio de marés
Ver-te aparecer de repente
como uma cepa de colecção
nascida na candeia dum mago
Um braço de trigo outro de vinho
os olhos repletos de cortesia
Resides na minha retina
como uma estampa animada
É reconfortante a presença do amigo
Já não creio em nada
Parceria:
senão em ti
No meu espelho conveniente
vejo-te na redoma que engenhou o afecto
O coração nu de véus de valente
para o abraço pudico e sanguíneo.
Pura ilusão! Este é um amigo invejoso
Fernando Oliveira
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Rimas e encruziliadas
ânsia é demasia
o rosto pretende evasão do lar conforto
ao bordo da elegia
dum fado morto
a flutuação leva-o à desunião especada
e à escusa excogitada
a hesitação fabrica a teoria tríplice
ficar.. avançar.. separar.. são índice
o ensaio é realizado
o presente é enganosamente povoado
o resultado é estagno
medo do engano
o futuro.. improvável imersão
os olhos residem na pós-visão
o caminho não tem leitura
os olhos divisam a lisa impostura
no seu rígido convite à evasão brancura
uma dança cinzenta e impura
um passo na retaguarda
palpites de resguarda
dois passos em frente
e um olhar saudoso e.. indigente
os eventos que o olhar procuram.. são rimas encruzilhadas
os braços açambarcam o caminho
mas ficam com a raiz no ninho
de causas em estações.. atazanadas
Fernando Oliveira
Parceria: https://picturalpoesia.blogspot.com/
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Os quatro judiciaisO Cristão folgazão.
O Ateu fariseu.
O Muçulmano bacanão.
O Judeu plebeu.
O Cristão almejou de repente num sitio nada católico
Como não tinha à mão, nem núncio, nem apostólico
Não recebeu eucaristia nem benção cardinal
Unções necessárias ao trajecto até ao último tribunal.
Durante a viagem celeste sentiu que lhe faziam falta
Parou e sentou-se na sua nuvem alva, na zona do céu mais alta
Rezou e chorou, tanto, tanto e tanto, que de momento adormeceu
Passaram séculos e séculos e ali inamovível permaneceu.
Até que uma nuvem mais escura, que cavalgava um ateu
Chocou com a nuvem clara, que estagnava o inanimado
Este acordou e de repente atarantado, e percebeu
Que rezar e chorar sem estanque, não era perdão contado.
O ateu tinha feito a viagem até ali, num só lanço
Estava com pressa de denunciar, a crença embriagada
Desembaraçado de lamurias, andou leste e sem descanso
E foi então que bateu na branca e ditosa, nuvem parada.
O choque fez estremecer os céus, com rastos de fogo vivo
É Nosso Senhor, diz o Cristão, que me envia um castigo
Não pode ser bom homem, se diz que tem a consciência ligeira
Foi a minha condução agnóstica, que originou a asneira.
Logo vamos arranjar a coisa quando cessarem, os trovões
Descanse, reze ou chore que eu não sou, contra distinções
Quisera mas não pudera como poderia ter dito Tadeu
Que seja cristão respeito, e muçulmano, ou até mesmo judeu.
E os contrários seguiram viagem em nuvens, desniveladas
O alvo voava por cima pois em caso de fortes, trovoadas
O mais escuro o salvaria como se fossem favas contadas
Era o privilégio pensava, das suas crenças oficializadas.
Quando chegaram ao tribunal, as portas estavam cerradas
Não havia alma que viva, salvo duas paixões, estacionadas
Uma longe da outra no parque celeste, muito bem arrumadas
Eram o Muçulmano e o Judeu mudos, surdos e de trombas viradas.
Estavam ali há séculos especados, à espera da abertura
Bateram, tocaram, chamaram, e até tactearam a fechadura
Nâo atendidos, ali ficaram beatos, na esperança da ventura
Que o juiz viesse um dia, julgar os seus com brandura.
Os comparsas mais recentes poisaram as nuvens no meio centro
Um rezava louvores, o outro cantava fado e assim passavam o tempo
Milénios depois ainda lá estavam, com as filosofias usadas pelo vento
Pouco a pouco aproximaram-se, com receio, depois mais a contento.
Foram os quatro bater à porta, com arrojo, tinham perdido o medo
Ninguém respondia de dentro, dialogaram e decidiram assembleia
Fizeram boletins com as penas das asas para votarem, no segredo
Depois do escrutínio decidiriam quem pagaria a ultima ceia.
Votaram todos à unanimidade e declararam, isto é falta de respeito
Como ganhamos todos em aprumo, entre nós nâo mais haverá pleito
O Juiz rompeu o pacto, vamos legislar novos modelos de acção
O primeiro mandamento, é amar o homem com fiel e uno coração.
Os quatro foram para a loja festejar e beber o cálice purgado
Chincaram os copos destemidos e ditaram em conchavo
Agora somos nós que julgamos toda acção ou pecado
Se o antigo aparecer veremos se é culpado.
Assim, com uma alada viagem de xadrez complicado, de quatro tipos almados
Uniram as forças úteis, para resolverem contendas, e qualificar os pecados
O Juiz reformou-se em qualquer planeta triste, para onde fora desterrado
Reza e chora todos os dias para ser bem ajuizado, e dos homens ser perdoado.
Fernando Oliveira
Parceria: https://picturalpoesia.blogspot.com/