Corpo de pedra/Passos de cata/Eaux de renaissance/Sonho/Entre o ser e o parecer/Duas torturas


 Que ares respira
a matéria feita de areias
esmagadas pelo martelo do criador
que a fez
forma decretada...

Não tem veias
mas veios
cravados nas eras de movimento

Os cabelos inanimados dramatizam a indecisão do autor
e
os olhos de íntimo tosco
virados para a configuração
esquematizam resquícios de ordem orgânica
na espera dum cirurgião doutra via

A infusão de sangue no plano do arquitecto

A imagem romantiza a gesta do herói
num alicerce agreste e nobre

Ainda tem margens
como o ovo gema
e as bordas claras

É pedra
carne e pão
Alma que depois de nada medra
e sentirá saudades na erosão
Fernando Oliveira

acrílica/eucatex (90x60)
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Passos de cata

sofro de não ser Madalena.. intrigante
e de não saber chorar
sofro de ser minguante
como cio.. sou face esperta ao luar

castro-me na noite.. evito a claridade
tenho cabelos sem vento
e um vestido sem idade
sou um ponto.. clarão de momento

fujo.. fujo.. mas devagar
esperando que olhos me tomem
no falso melancólico madrugar
sou lua cheia.. vazia de homem…
Fernando Oliveira

afresco/grafite em pó (100x65)
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Eaux de renaissance

Entortillé dans mon infertile destin
j’absorbe l’humidité par la racine
j’emplis mes yeux d’eau mondaine
Que je puisse pleurer abondamment

Les jours de mes malheurs ou liesses
les nuits démunies de scènes de désir
Je veux être, une rosière chatoyante

Je décante mon morne sort, dans l’auge
avant de me rouiller, comme un rivet
planté dans mon ego, hypocondriaque

Si je sors lavée, de ce bain bienheureux
je m’ornerais, de ma robe couleur de miel
et me baladerais dans le casino de la vie
Je jouerais alors, ma plus belle partition

Fernando Oliveira


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Sonho
meditação perscruta além do factível.

A consciência morre no sono e condensa o corpo sanguíneo.
Levando-o para o estado de cera fria. Um gelo subtil que
liberta o véu do subconsciente para o activo transe.

Nesta ambígua prostração. Um simples cantar de grilo
pode romper as fronteiras. Tão ténues,
que ninguém sabe, onde residem o sonho e o sono.
Peculiares cicatrizes da natureza.

No lapso sem nome
o olhar indiviso viaja até ao núcleo da resenha.

Um oceano engenhoso
onde o decurso dorme
e o tempo não sopra.
Fernando Oliveira

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Entre o ser e o parecer

Entre o ser e o parecer...

O quadro é tão mais belo quanto é visto através de obstáculos.
A rima critica, antes do olho fogoso.
Quando a visão torneia e exalta no cinzelar da imagem que corteja,
por entre todas as curvas de sombra,
todos os enganos do sol.

O negativo e o positivo
o atractivo e a indecisão.

Quando cautelas desmatam e desmontam
os artífices duma criação,
as janelas de ilusão.
E descortinam
enfim o retrato que engendraram.

Além da aparência!...
A transparência.
Fernando Oliveira

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Duas torturas

nas faces em trânsito de reunião
uma fisionomia de duas torturas...
o arcaico na indagação do recente
duas metades de pusilanimidade

ou… a desventura do analogismo…
não há solução para o matrimónio
se o adulterino ab-roga a colagem

como duas patentes sem assinatura
dobra-se o plano e a mostra soçobra
no ósculo frio e fixo.. sem recobro...

Fernando Oliveira

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